segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ayrton Senna

De presentes e ausências - Daniel Piza*

*Texto originalmente publicado no dia 25 de dezembro de 2011, no blog que o jornalista Daniel Piza mantinha no portal Estadao.com.br.,
4 dias antes de sua morte, ele não imaginava que seria ele também uma das ausências que este ano deixaria!

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Nesta época é comum ver, além das retrospectivas, os apelos piegas ao tal espírito natalino, abusos de expressões como "renovar esperanças", previsões furadas de astrólogos, tarólogos e outros loucos, textos que lamentam onde estão os natais d'antanho, mensagens de boas festas com listas de virtudes. Meu impulso é perguntar por que as pessoas não procuram ser assim o ano todo, e não apenas no solstício que foi apropriado pela religião e pelo folclore para se tornar uma data paradoxal em que se discursa sobre bons sentimentos enquanto se consome em ritmo febril; até mesmo os nacionalistas se calam diante do fato de que a festa não tem cara do calor de 34 graus.
E então me ponho a pensar em como generosidade e respeito, para ficar só nesses dois itens, andam em falta nos tempos atuais, especialmente nas grandes cidades, e em como a tecnologia que deveria nos aproximar nos tem dispersado.
Mas lembro os Natais de infância, comparo com o dos meus filhos e as diferenças se tornam irrelevantes, porque os prazeres e as questões são muito parecidos. E os dias deliciosamente desocupados, desacelerados, convidam ao balanço do ano, ainda que tenha tido tantas tristezas em meu caso, e sem balanço não há avanço.
Somos carne e pensamento, um não se dissocia do outro, e do mesmo modo o Natal é ficar feliz em dar e receber presentes, é ver as crianças alegres com o que ganham e pronto, sem místicas nem melancolias. Lembro que meu avô nos levava em seu Opala, no banco da frente, câmbio atrás do volante, para procurar o Papai Noel. Olhávamos para o céu e achávamos que qualquer luzinha era a carruagem de renas. Quando voltávamos, ele já tinha passado e deixado os presentes sob a árvore. Um primo mais velho me disse: "Cheguei até a ver a perna dele saindo pela janela". Eu devia ter uns oito anos e achei estranho; afinal, era só ter ficado ali que com certeza o veríamos, já que eu nunca tinha conhecido ninguém que não ganhasse presentes todo santo Natal. (Eu já estava acometido desta mania de descrença: antes de fazer 6 anos, na minha primeira viagem de avião, assim que ficamos acima das nuvens perguntei ao meu pai onde estavam os "anjinhos". Não era ali que diziam que eles moravam?)
De qualquer modo, afora as comidas saborosamente calóricas, quase sempre o presente fazia a dita magia da noite. Digo "quase sempre" porque uma vez pedi um Piloto Campeão e ganhei uma Motocleta. Inconformado, reclamei: "Que Papai Noel burro!" Mas a Motocleta, espécie de triciclo evoluído, me divertiu muito mais ao descer a rampa do abacateiro na chácara que tínhamos.
Ver o sorriso de filhos e sobrinhos é boa maneira de encerrar o ano, como o fecho de capítulo de um livro que ainda não terminou, e mesmo que não chegue a redimir o capítulo ruim. Perdi minha mãe e, apesar das falas pseudo consoladoras do tipo "É a vida" (não, é a morte mesmo) e "Tudo vai ficar bem" (defina "bem"), a dor ganha intervalos, mas a ausência fica.
Tive também uma decepção pessoal, que abalou minha confiança, me tirou alguns quilos, me fez ver de novo como nossos melhores esforços podem ser os mais injustiçados, como a ingenuidade é amiga da vaidade, como a efusão brasileira pode ocultar inveja ou egoísmo. Também não fico feliz ao pensar que para tantas pessoas uma experiência insubstituível como ter filhos pode ser vista como algo que "atrapalha" ou, pior, que justifica manter relacionamentos frios ou frustrantes, em vez de renová-los. Mas terminei meu capítulo com páginas encorajadoras, confiante não apenas em ter superado a fase crítica, mas também em não ter deixado o desencantamento tomar conta. Aí está, se me permitem o toque natalino: não deixar o desencanto tomar conta é o melhor presente.



Daniel Piza

Corpo de Daniel Piza é enterrado em SP

Familiares e amigos se despediram do jornalista no Cemitério de Congonhas

O Estado de S.Paulo (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,corpo-de--daniel-piza-e-enterrado-em-sp-,817467,0.htm)


O corpo do jornalista e escritor Daniel Piza foi enterrado na manhã de ontem no Cemitério de Congonhas, zona sul de São Paulo. A cerimônia foi acompanhada por familiares, amigos e colegas do Grupo Estado.
Piza morreu aos 41 anos na noite do dia 30 de dezembro, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Ele estava em Gonçalves (MG), onde passava as festas de fim de ano na companhia da família. O jornalista chegou a ser socorrido pelo pai, que é médico, mas não resistiu.
Ele deixa a mulher, a também jornalista Renata Piza, e três filhos, Letícia, de 14 anos, Maria Clara, de 10, e Bernardo, de 6.
Trajetória. Piza nasceu em São Paulo em 1970. Estudou Direito no Largo de São Francisco (USP), mas logo passou a se dedicar ao jornalismo. Começou a carreira no Estado, onde, de 1991 a 1992, foi repórter do Caderno 2 e editor assistente do Cultura. Trabalhou na Folha de S. Paulo (1992-95) e Gazeta Mercantil (1995-2000).
Em maio de 2000, retornou ao Grupo Estado como editor executivo e colunista cultural - desde 2004, tinha uma coluna sobre futebol. Na rádio Estadão ESPN, apresentava os programas Estadão no Ar e Direto da Redação.
Ainda que muito ligado à literatura e às artes plásticas, transitava pelo cinema, dança, música, teatro e moda, oferecendo análises que faziam dialogar as manifestações artísticas.
Na coluna Sinopse, publicada aos domingos no Caderno 2, a política e a economia nacionais eram temas frequentes. Apaixonado por futebol, foi responsável por reportagens exclusivas também nesta área, como a notícia da aposentadoria do jogador Ronaldo.
Em 2009, com o repórter fotográfico Tiago Queiroz, refez a expedição de 1905 do jornalista e escritor Euclides da Cunha pela Amazônia, que resultou na publicação de uma série de reportagens, no livro Amazônia de Euclides e no documentário Um Paraíso Perdido. Colaborou com o diretor Luiz Fernando Carvalho na preparação do roteiro de Capitu, minissérie da TV Globo.
Ao saber da morte, o ex-jogador Ronaldo escreveu no Twitter: "Um jornalista fantástico e um amigo partiu hoje. Descanse em paz". O escritor Zuenir Ventura destacou sua personalidade. "O que mais me surpreendia era a modéstia e a serenidade."
Para o jornalista Sérgio Villas-Bôas, foi um exemplo. "Conhecedor, competente, visionário, profissional até a alma", disse em mensagem divulgada ontem por meio das redes sociais. "O que mais me choca, no entanto, é o fato de sua partida ter sido tão precoce quanto ele próprio."
"Além de perder um amigo e um colega brilhante, sinto por tudo que Daniel poderia ter feito e não fez na idade madura que ele infelizmente jamais alcançou. Permanecem o seu amor pela cultura e tudo o que escreveu", lamentou o jornalista Luis Antonio Giron, editor de cultura da Editora Globo.
Literatura. A produção como jornalista está reunida em Questão de Gosto, Perfis & Entrevistas, Contemporâneo de Mim - Dez Anos da Coluna Sinopse, Aforismos sem Juízo e Jornalismo Cultural. Como biógrafo, assinou livros sobre Ayrton Senna (O Eleito) e Paulo Francis (Brasil na Cabeça) e Machado de Assis (Um Gênio Brasileiro). Foi tradutor, entre outros autores, de Henry James (A Arte da Ficção) e H.G. Wells (A Máquina do Tempo).
Nos anos 90, lançou um romance, As Senhoritas de Nova York; cinco anos depois, seu primeiro livro infantil, Mundois; e, em 2010, a coletânea de contos Noites Urbanas.
O pendor para a polêmica foi herdado de escritores como o brasileiro Paulo Francis, o americano H. L. Mencken e o irlandês Bernard Shaw, cujos textos estão reunidos em coletâneas (O Dicionário da Corte de Paulo Francis, Dentro da Baleia - Ensaios e O Teatro das Ideias de Bernard Shaw, respectivamente).