sexta-feira, 19 de abril de 2013

O menino que escrevia versos


Mia Couto


De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?

(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)



— Ele escreve versos!

Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.

— Há antecedentes na família?

— Desculpe doutor?

O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:

— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.

Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas  confissões de amor.


Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.

— São meus versos, sim.

O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?

Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.

— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.

Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe  espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.

Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:

— Dói-te alguma coisa?

—Dói-me a vida, doutor.

O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:

— E o que fazes quando te assaltam essas dores?

— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?

— É sonhar.

Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.

O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:

— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.

A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.

Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendi dos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.

— Não continuas a escrever?

— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida
— disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.

O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.

— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.

— Não importa — respondeu o doutor.

Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.

Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:

— Não pare, meu filho. Continue lendo...


Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955. Foi jornalista e atualmente é professor e biólogo. É sócio correspondente, eleito em 1998, da Academia Brasileira de Letras, sendo sexto ocupante da cadeira 5, que tem por patrono Dom Francisco de Sousa. Como biólogo, dirige a Avaliações de Impacto Ambiental, IMPACTO Lda., empresa que faz estudos de impacto ambiental, em Moçambique. Mia Couto tem realizado pesquisas em diversas áreas, concentrando-se na gestão de zonas costeiras. Além disso, é professor da cadeira de ecologia em diversos cursos da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

OBRAS PUBLICADAS:


Contos

- Vozes Anoitecidas (1986) - Grande Prêmio da Ficção Narrativa em 1990

- Cada Homem é uma Raça (1990)

- Estórias Abensonhadas (1994)

- Contos do Nascer da Terra (1997)

- Na Berma de Nenhuma Estrada (1999)

- O Fio das Missangas (2003)


Crônicas

- Cronicando (1988) - Prêmio Nacional de Jornalismo Areosa Pena (1989)

- O País do Queixa Andar (2003)

- Pensatempos. Textos de Opinião (2005)

- E se Obama fosse Africano? e Outras Interinvenções (2009)


Romances

- Terra Sonâmbula (1992) - Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995. O júri da Feira Internacional do Zimbabwe o considera um dos doze melhores livros africanos do século XX.

 - A Varanda do Frangipani (1996)

- Mar Me Quer (1998)

- Vinte e Zinco (1999)

- O Último Voo do Flamingo (2000) - Prêmio Mário António de Ficção em 2001.

- O Gato e o Escuro, com ilustrações de Danuta Wojciechowska (2001)

- Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002) - Rodado em filme pelo português José Carlos Oliveira.

- A Chuva Pasmada, com ilustrações de Danuta Wojciechowska (2004)

- O Outro Pé da Sereia (2006)

- O beijo da palavrinha, com ilustrações de Malangatana ( 2006)

- Venenos de Deus, Remédios do Diabo (2008)

- Jesusalém [no Brasil, Antes de nascer o mundo] (2009)


Prêmios

1995 - Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos

1999 - Prêmio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da sua obra

2001 - Prêmio Mário António, pelo livro O último voo do flamingo

2007 - Prêmio União Latina de Literaturas Românicas

2007 - Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura

2011 - Prêmio Eduardo Lourenço 2011

O texto acima foi extraído do livro “O fio das missangas”, Cia. das Letras, 2004, pág. 131. A editora optou por manter a grafia do português de Moçambique.

FONTE: Wikipédia

terça-feira, 16 de abril de 2013

A LUA QUE EU TE DEI


Posso te falar dos sonhos, das flores, de como a cidade mudou.
Posso te falar do medo, do meu desejo do meu amor.
Posso falar da tarde que cai e aos poucos deixa ver,  no céu a lua, que um dia eu te dei. 
Gosto de fechar os olhos. Fugir do tempo. De me perder. Posso até perder a hora.
Mas sei que já passou das seis. Sei que não há no mundo. Quem possa te dizer. Que não é tua a Lua
Que eu te dei, pra brilhar, por onde você for...
Me queira bem. Durma bem. Meu Amor
(Musica de Ivete Sangalo + Composição de Herbert Viana)

Por que não EU???



POR QUE NÃO EU???

NADA POR MIM... HERBERT VIANA


“Você me tem fácil demais E não parece capaz
De cuidar do que possui Você sorriu e me propôs
Que eu te deixasse em paz Me disse vai e eu não fui...”
Herbert Viana
“Quando o sol de cada dia entrar Chamando por você Querendo te acordar Vai ter sempre alguém pra receber Fazer o seu jantar Dormir no seu sofá Alguém pra olhar a casa E alguém que regue o seu jardim Até você voltar E como é normal acontecer Se num entardecer a dor te visitar Vai ter sempre alguém pra socorrer Fazer o seu jantar Dormir no seu sofá Enquanto a noite passa por mim Eu rego o seu jardim Você já vai voltar”
Leoni e Herbert Viana em “Canção Pra Quando Você Voltar”.

Não estou preparada para a morte da mesma de que não estou preparada para a vida,
Na verdade não estou preparada pra nada, mas me permito sentir a morte,
Tanto quanto me permito sentir a vida...
Aos que vão antes de nós, aos que ficam sempre a sós...

Morgana Fernandes

SÓ LIGUEI PRA NÃO DIZER...


Na verdade não se preocupe com a ligação anônima,
Que apenas ouviu sua voz,
suspirou fundo do outro lado da linha
e sem pronunciar uma única palavra desligou
Não adianta retornar, não tenho coragem de atender
De dizer que sou apenas eu,
ou que na verdade constatei com este breve gesto,
Que não sou ninguém que tenha qualquer relevância,
Ou que você queira saber o assunto,
Você me tornou apenas um ninguém que precisava por um instante,
Uma vez mais ouvir sua voz,
saber que com você está tudo bem
de que você não morreu,
sumiu ou está doente,
E estranhamente ficar aliviada por perceber que
você apenas me riscou da sua vida
como o velho rascunho de uma história inacabada
que não merece ser passada a limpo e nem ao menos
finalizada...

Morgana Fernandes

PRA MIM, ACABOU ANTES DO FIM...


E NO FIM VOCÊ CONSEGUIU SER AINDA PIOR QUE TODOS OS OUTROS IDIOTAS DE QUEM SEMPRE ME CONSOLOU,
NO FIM DE TUDO MEU MELHOR AMIGO E MAIOR AMOR, ME FERIU COMO OUTRO JAMAIS CONSEGUIRIA
ME DEIXOU ASSIM, NÃO OLHOU NOS MEUS OLHOS, NÃO ACALENTOU MINHA ALMA, UMA MENSAGEM E FIM...
AQUI DENTRO, PRA MIM, ACABOU ANTES DO FIM...

MORGANA FERNANDES

TUDO PASSA...


EU SEI QUE SEMPRE PASSA, TUDO NA VIDA UM DIA ACABA PASSANDO, SEGUINDO SEU RUMO,
NOVOS AMORES, NOVOS SONHOS, TUDO SENDO ATROPELADO, PORQUE NÃO É PERMITIDO SOFRER,
É PROIBIDO SENTIR, SENTIR DOR, SENTIR AMOR, SENTIR SAUDADES...
ESSE É O PROBLEMA, POR UM INSTANTE SÓ DESTA VEZ EU NÃO QUERIA VER PASSAR
EU QUERIA VER FICAR, QUERIA VER VOLTAR, QUERIA PODER TENTAR, SÓ DESTA VEZ
QUE QUERIA PODER TE AMAR...

MORGANA FERNANDES