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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mais uma vez... Martha Medeiros... A DOR QUE DÓI MAIS...



A DOR QUE DÓI MAIS



Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. 


Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.
Martha Medeiros

Martha Medeiros - Strip-Tease


Strip-Tease

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.












Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela.

















A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.


















Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.

















Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci.

















Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".















Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto.













Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."

















Era o pudor sendo desabotoado:




















 "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".

















Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram.



















Encontrei".


















Por fim, a última peça caía, deixando-a nua






















"Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".














E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.













Martha Medeiros

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ter ALGO - Martha Medeiros



"Se você não é nenhuma Gisele Bündchen, não há motivo para se desesperar em frente ao espelho.

Quem dera ser uma deusa, mas não sendo, há chance de ser incluída no time das interessantes. Junte nove lindas e uma mulher interessante e será ela quem vai se destacar entre as representantes do marasmo estético. Perfeição, você sabe, entedia.

Mulher interessante é aquela que não nasceu com tudo no lugar, a não ser a cabeça – e, às vezes, nem isso, pois as malucas também têm um charme diabólico. A mulher interessante não é propriamente bonita, mas tem personalidade, tem postura, tem um enigma no fundo dos olhos, uma malícia que inquieta a todos quando sorri – e um nariz diferente. São também conhecidas como feias bonitas.

Eu poderia citar um batalhão de feias bonitas que, aqui no Brasil, são públicas e notórias, mas vá que elas não considerem isso um elogio. Então vou dar um exemplo clássico que vive a quilômetros de distância: Sarah Jessica Parker. É uma feia lindona. Uma feia classuda. Uma feia surpreendente. Adoro este tipo de visual. Mulheres com rostos difíceis de classificar, que não se enquadram em nenhum padrão.

Quando Meryl Streep estreou como coadjuvante em Manhattan, filme de Woody Allen, chamou a atenção não só pelo talento, mas pelo seu ar blasé, seu porte altivo e uma sobrancelha que arqueava interrogativamente, como se perguntasse: e aí, você já decidiu se lhe agrado ou não? Paralisante.
Esse gênero de mulher não figura nos anúncios da Lancôme e não possui um rosto desenhado com fita métrica: olhos, boca e nariz a uma distância equilibrada um dos outros. Nada disso. A feia bonita é aquela que não causa uma excelente impressão à primeira vista. Ao contrário, causa estranhamento.

As pessoas se questionam. O que é que essa mulher tem? Ela tem algo. Pronome indefinido: algo. Ficar bonitinha, muitas conseguem, mas ter algo é para poucas. Não dá para encomendar num consultório de cirurgia plástica. Não adianta musculação, dieta, hidratantes. Feias bonitas têm a boca larga demais. Ou um leve estrabismo. Ou um nariz adunco. Ou seja, este algo que elas têm é algo errado. Mas que funciona escandalosamente bem.

E há aquelas que não têm nada de errado, mas também nada de relevante. Um zero a zero completo, e ainda assim se destacam. Um exemplo? Aquela menina que atuou em Homem-Aranha e Maria Antonieta, a Kirsten Dunst. Jamais será uma Michelle Pfiefer, mas a menina tem algo. Quem dera esse algo fosse vendido em frascos nos freeshops da vida.

Se o fato de ser uma feia bonita é, digamos, uma ótima compensação, ser um feio bonito é o prêmio máximo. Não sei se você concorda, mas eles são mais atraentes que os bonitos bonitos. Não que seja tolerável um narigão num homem: ele tem que ter um! Nada de baby face. É obrigatório uma cicatriz, ou um queixo pronunciado, um olhar caído. Você está lembrando de um monte de cafajestes, eu sei.

Ou de um monte de italianos. É esse tipo mesmo, você pegou o espírito da coisa.

Feias bonitas e feios bonitos tornam a vida mais generosa, democrática, divertida e interessante. Não podemos ter tudo, mas algo se pode ter.."
Martha Medeiros

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Martha Medeiros...

"Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei"

Martha Medeiros...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Martha Medeiros...


Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade... Emocionalmente.
Nudez pode ter um significado diferente e muito mais intenso.
É assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história.
É erótico uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.
Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos.
Aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A todos... Martha Medeiros

A TODOS...




A todos trato muito bem

sou cordial, educada, quase sensata,

mas nada me dá mais prazer

do que ser persona non grata

expulsa do paraiso

uma mulher sem juízo, que não se comove

com nada

cruel e refinada

que não merece ir pro céu, uma vilã de novela

mas bela, e até mesmo culta

estranha, com tantos amigos

e amada, bem vestida e respeitada

aqui entre nós

melhor que ser boazinha é não poder ser imitada.

Martha Medeiros

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Amor que a vida trás - Martha Medeiros


O Amor que a vida trás
“E agora você esta ai, COM ESSE AMOR que não estava nos planos”. 
Um amor que não é a sua cara, QUE NÃO LEMBRA EM NADA O AMOR SOLICITADO.
“E por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em ÊXTASE”.
Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil.
O objeto desse amor nem precisaria ser bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você esta sendo até modesto.
O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos. Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja para assistir em casa, no DVD.
E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um emprego seguro. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém esta pedindo um piloto de fórmula 1 ou capa da Playboy. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.
Ai a vida bate á sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será que se enganou de endereço? Não. Esta tudo certinho, confira o protocolo. ESSE É O AMOR QUE LHE CABE. É SEU. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega esta feita, assine aqui, e adeus.
E agora você esta ai, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada o amor solicitado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs; um amor que te perturba e te exige que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. UM AMOR ERRADO COMO AQUELES QUE DIZEM QUE DEVEMOS APROVEITAR ENQUANTO NÃO ENCONTRAMOS O CERTO, e o certo era aquele que outro que você havia encomendado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e confirme-se, saboreie esse presente, esse suspense esse nonsense, esse amor que você desconfia que nem lhe pertence.
Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe para você vivendo esse amor em granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, O AMOR QUE ERA PRA NÃO VINGAR E VIROU COMPROMISSO, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que o amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja- ah! Este me serviu direitinho!Aquele amor discretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém para o qual um amor discretinho costuma ser desprezado, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. AQUELE AMOR QUE VC ENCOMENDOU NÃO VEIO, PARABÉNS! APROVEITE O QUE LHE FOI ENTREGUE POR SORTEIO.
MARTHA MEDEIROS

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Quem tem medo de Martha Medeiros?

Ao dobrar a esquina da Aníbal de Mendonça com Visconde de Pirajá vislumbrei a fila. Já chegava na esquina! Se inveja matasse eu teria caído ali mesmo, fulminado. Mas mantive a esperança de que houvesse algum engano. Não era possível, frequento a livraria da Travessa há anos, fica pertinho da minha casa, já fui a inúmeros lançamentos de livros ali, nunca vi uma fila alcançar a calçada.
E olha que aquela fila – aquela que eu mirava e me travava a boca com o amargor da inveja – não invadira apenas a calçada da livraria, que se situa no meio do quarteirão (o que já seria um feito inédito): a fila chegava na esquina! Metros e metros de gente amontoada e ávida! Felizes! Estavam na fila e sorriam ansiosos. Estariam vendendo ingressos para o show do Paul McCartney na livraria? Não. Promoviam uma sessão de autógrafos de Paulo Coelho? Da autora de Harry Potter? Não, não. Fotos com o Lula? Distribuição gratuita de dinheiro? Não e não e não.
Caminhei resoluto, a cabeça erguida, um esboço de sorriso sofrido desenhado nos lábios. Tentei avançar pela livraria lotada, me esgueirando entre os leitores felizes. Eu já sabia quem estava lá, no fundo do salão, sentada a uma mesinha, autografando seu novo livro. Ainda assim, quis ter certeza (ah, o masoquismo dos invejosos). Coloquei os óculos para enxergar à distância e lá estava ela, com seu jeitinho de Virginia Woolf brejeira. Sim, ela, minha querida amiga gaúcha (minha e de minha mulher, também fã incondicional e leitora assídua, que me acompanhava ávida e feliz, com seu exemplar devidamente acoplado embaixo do braço).
Minha amiga sorria e tratava de autografar um livro após o outro, sem deixar de tirar fotos e trocar algumas palavras com cada leitor. E então deu-se o milagre: a inveja, aos poucos, foi se transformando em carinho e admiração. O sorriso em meus lábios agora era franco e aberto. Não há escritora mais merecedora do sucesso do que Martha Medeiros, com sua obra consistente e popular, profunda e divertida, sensível e criativa e, acima de tudo, não afetada e nada metida a besta. Malu e eu chegamos às 19 horas na livraria, e orgulhosamente conseguimos nossos autógrafos por volta de meia-noite, os últimos da fila! E para meu espanto, que sempre considerei Martha uma escritora melhor compreendida pelas mulheres, havia ali hordas e hordas de homens. Hum…afinal, quem tem medo de Martha Medeiros?
Livros…
…  Fora de Mim, de Martha Medeiros. Corra à livraria mais próxima antes que o livro se esgote!
Por Tony Bellotto
 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A TRISTEZA PERMITIDA (Marta Medeiros)


A TRISTEZA PERMITIDA (Marta Medeiros)



Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?

Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.

Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.

A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.

Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.

“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.

Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.

Martha Medeiros

A Voz Do Silêncio - Martha Medeiros


A Voz Do Silêncio

Pior do que a voz que cala,
é um silêncio que fala.

Simples, rápido! E quanta força!

Imediatamente me veio à cabeça situações
em que o silêncio me disse verdades terríveis,
pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega.
Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca.

Silêncios que falam sobre desinteresse,
esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude,
depois de uma discussão.
O perdão não vem, nem um beijo,
nem uma gargalhada
para acabar com o clima de tensão.

Só ele permanece imutável,
o silêncio, a ante-sala do fim.

É mil vezes preferível uma voz que diga coisas
que a gente não quer ouvir,
pois ao menos as palavras que são ditas
indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento
articulam argumentos,
expõem suas queixas, jogam limpo.
Já o silêncio arquiteta planos
que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.

Quantas vezes, numa discussão histérica,
ouvimos um dos dois gritar:
"Diz alguma coisa, mas não fica
aí parado me olhando!"

É o silêncio de um, mandando más notícias
para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações
em que o silêncio é bem-vindo.
Para um cara que trabalha
com uma britadeira na rua,
o silêncio é um bálsamo.
Para a professora de uma creche,
o silêncio é um presente.
Para os seguranças de um show de rock,
o silêncio é um sonho.

Mesmo no amor,
quando a relação é sólida e madura,
o silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.

E fala alto.

É quando ninguém bate à nossa porta,
não há emails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem

Martha Medeiros

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Levar um "FORA" - Morgana Fernandes


Levar um fora...

Nos últimos dias andei pensando muito a respeito disso, porque ficamos tão deprimidos quando levamos um fora?
Muitas vezes a relação nem nos interessa mais, ou não nos satisfazia da forma que precisávamos, ou não fazia nenhum sentido, mas levar um fora é sempre traumático, causa uma dor quase física, cortante, dói não adianta, pode doer 5 minutos e depois você vai rir de tudo, pode durar um final de semana, um mês, um ano, uma vida, não importa, levar um fora sempre dói, cabe a nós decidir quanto tempo e energia iremos desperdiçar de nossas tão valiosas vidas, presos a este acontecimento alheio a nossa vontade, ou em algumas vezes nem tão alheio assim, e esquecemos o quão libertador pode ser o famoso “FORA” o “PÉ NA BUNDA”, se analisarmos com outros olhos, veremos o sabor de liberdade que pode haver em um “fora”, se o cara te deu um “fora” sem dó nem piedade, se te deixou tonta, tola, perdida, sem entender coisa nenhuma (embora no fundo você entenda tudo, mas se nega a acreditar), pensa que era devido, ou que não era devido, permita-se sofrer, 5 minutinhos, 5 horas, 5 dias, mas não deixe de viver e principalmente de ver tudo que ocorre ao seu redor, se levou um fora, é porque a relação já não era mais como deveria ser, como te faria feliz, fique grata pela pessoa ter sido honesta com você e ter te libertado de viver infeliz ao lado dela, chore, sofra, mas não a vida inteira, não se faça de vitima, nem odeie o outro por não te amar mais, por você ter deixado de ser importante pra ele, agradeça-o por dar a você a chance de encontrar alguém melhor que lhe fará mais feliz, ou até mesmo de você descobrir o quanto feliz pode ser consigo mesma, com seus amigos, com seus amantes, com seus livros, suas viagens, seus discos, suas inúmeras possibilidades, pense que no final das contas aquele que era tão especial, torna-se mais um, um qualquer, um homem que não te trata como você merece, que é grosseiro, rude, que te deixa sozinha justo quando você mais precisa de apoio, que te nega um ombro e amizade, que esquece tudo que você representou na vida dele enquanto estavam juntos, todas as vezes que foi ele a precisar do seu colo, ele não merece seu amor, seu carinho, suas lagrimas, ele não é digno nem dos seus pensamentos, aquele ser que você julgava especial, torna-se um estranho, um completo desconhecido diante dos teus olhos, o homem que você amava não existe mais, e ninguem sofre por algo que nem existe, sofre???

Nunca se esqueça de uma regra importante, se você não se amar e se respeitar em primeiro lugar, não espere que outra pessoa o faça, tenha certeza de que as pessoas te tratarão exatamente como você permitir que te tratem, não espere flores se você geralmente aceita bem os espinhos... Queria as rosas, deixe claro que não aceita menos que isso, que você quer a beleza das rosas, pois tem a certeza que é digna delas e se alguem te oferecer menos que isso, não chore, não lamente, é apenas um sinal de que não é digno de você e deixe o caminho livre para algo melhor que está a sua espera!!!

Então levante a cabeça, coloque seu melhor vestido, deixe-se perceber, permita-se conhecer e siga feliz até encontrar seu grande amor ou até levar um próximo “FORA”...

Morgana Fernandes

Uma pessoa é unica ao estender a mão e se torna mais uma ao recolhe-la inesperadamente. O egoismo unifica os insignificantes... Martha Medeiros!!!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Romeu e Julieta por Martha Medeiros


Sabem por que Romeu e Julieta são ícones do amor?
São falados e lembrados, atravessaram os séculos incólumes no tempo,
se instalando no mundo de hoje como casal modelo de amor eterno ?
Porque morreram e não tiveram tempo de passar pelas adversidades
que os relacionamentos estão sujeitos pela vida afora.
Senão provavelmente Romeu estaria hoje com a Manoela e Julieta com o Ricardão.
Romeu nunca traiu a Julieta numa balada com uma loira linda e siliconada
motivado pelo impulso do álcool.
Julieta nunca ficou 5 horas seguidas esperando Romeu,
fumando um cigarro atrás do outro,
ligando incessantemente para o celular dele que estava desligado.
Romeu não disse para Julieta que a amava,
que ela especial e depois sumiu por semanas.
Julieta não teve a oportunidade de mostrar para ele
o quanto ficava insuportável na TPM.
Romeu não saia sexta feira a noite para jogar futebol com os amigos
e só voltava as 6:00 da manhã bêbado e com um sutiã
perdido no meio da jaqueta (que não era da Julieta).
Julieta não teve filhos, engordou, ficou cheia de estria e celulite
e histérica com muita coisa para fazer.
Romeu não disse para Julieta que precisava de um tempo, que estava confuso,
querendo na verdade curtir a vida e que ainda era muito novo
para se envolver definitivamente com alguém.
Julieta não tinha um ex-namorado em quem ela sempre pensava
ficando por horas distante, deixando Romeu com a pulga atrás da orelha.
Romeu nunca deixou de mandar flores para Julieta
no dia dos namorados alegando estar sem dinheiro.
Julieta nunca tomou um porre fenomenal e num momento de descontrole
bateu na cara do Romeu no meio de um bar lotado.
Romeu nunca duvidou da virgindade da Julieta.
Julieta nunca ficou com o melhor amigo de Romeu.
Romeu nunca foi numa despedida de solteiro com os amigos num prostíbulo.
Julieta nunca teve uma crise de ciúme achando que Romeu
estava dando mole para uma amiga dela.
Romeu nunca disse para Julieta que na verdade
só queria sexo e não um relacionamento sério,
ela deve ter confundido as coisas.
Julieta nunca cortou dois dedos de cabelo
e depois teve uma crise porque Romeu não percebeu a mudança.
Romeu não tinha uma ex-mulher que infernizava a vida da Julieta.
Julieta nunca disse que estava com dor de cabeça e virou para o lado e dormiu.
Romeu nunca chegou para buscar a Julieta
com uma camisa xadrez horrível de manga curta
e um sapato para lá de ultrapassado,
deixando-a sem saber onde enfiar a cara de vergonha.
Por estas e outras que eles morreram se amando.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Em que esquina dobrei errado? - Martha Medeiros


MARTHA MEDEIROS
  • Em que esquina dobrei errado?
Quanta gente perde a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?
Aconteceu em Paris. Estava sozinha e tinha duas horas livres antes de chamar o táxi que me levaria ao aeroporto, de onde embarcaria de volta para o Brasil. Mala fechada, resolvi gastar esse par de horas caminhando até a Place des Voges, que era perto do hotel. Depois de chuvas torrenciais, fazia sol na minha última manhã na cidade, então Place des Voges, lá vou eu. E fui.

Sem um mapa à mão, tinha certeza de que acertaria o caminho, não era minha primeira vez na cidade. Mas por um desatino do meu senso de orientação, dobrei errado numa esquina. Em vez de ir para a esquerda, entrei à direita. Mais adiante, aí sim, virei à esquerda, mas não encontrei nenhuma referência do que desejava. Segui reto: estaria a Place des Voges logo em frente? Mais umas quadras, esquerda de novo. Gozado, era por aqui, eu pensava. Não que fosse um sacrifício se perder em Paris, mas eu parecia estar mais longe do hotel do que era conveniente. Mais caminhada, e então, várias quadras adiante, não foi a Place des Voges que surgiu, e sim a Place de la Republique. Eu tinha atravessado uns três bairros de Paris, mon Dieu.

Perguntei a um morador o caminho mais curto para voltar à rua onde ficava meu hotel, e ele me apontou um táxi. Teimosa, pensei: ainda tenho um tempinho, voltarei a pé. E assim foram minhas duas últimas horas em Paris, uma estabanada andando às pressas, saltando as poças da noite anterior, olhando aflita para o relógio em vez de flanar como a cidade pede. Cheguei bufando no hotel, peguei minha mala e, por causa da correria, esqueci no hall de entrada uma gravura linda que havia comprado e que planejava trazer em mãos no vôo. Tudo por causa de uma esquina que dobrei errado.

Foram apenas duas horas inúteis e cansativas, e duas horas não é nada na vida de ninguém. Mas quanta gente perde a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?

Alguns desacertos pelo caminho fazem a gente perder três anos da nossa juventude, fazem a gente perder uma oportunidade profissional, fazem a gente perder um amor, fazem a gente perder uma chance de evoluir. Por desorientação, vamos parar no lado oposto de onde nos aguardava uma área de conforto, onde encontraríamos pessoas afetivas e uma felicidade não de cinema, mas real. Por sair em desatino sem a humildade de pedir informação a quem conhece bem o trajeto ou de consultar um mapa, gastamos sola de sapato à toa e um tempo que ninguém tem para esbanjar. Se a vida fosse férias em Paris, perder-se poderia resultar apenas numa aventura, mesmo com o risco de o avião partir sem nós. Mas a vida não é férias em Paris, e aí um dia a gente se olha no espelho e enxerga um rosto envelhecido e amargurado, um rosto de quem não realizou o que desejava, não alcançou suas metas, perdeu o rumo: não consegue voltar para o início, para os seus amores, para as suas verdades, para o que deixou pra trás. Não existe GPS que assegure se estamos no caminho certo. Só nos resta prestar mais atenção.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Martha Medeiros - Nasci assim, vou morrer assim...

MARTHA MEDEIROS
  • Nasci assim, vou morrer assim
Uma das provas irrefutáveis de que estou prestes a virar um fóssil é que assisti à novela Gabriela, em 1975, e lembro até hoje da famosa cena em que Sonia Braga se arrasta feito uma lagartixa por cima de um telhado de Ilhéus, para assombro do seu Nacib. Outro dia, numa dessas retrospectivas tipo vale a pena ver de novo, reprisaram a cena, enquanto se ouvia a trilha sonora que virou hit: “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu vivi assim, vou ser sempre assim, Gabriééééla”.

Salve Dorival Caymmi, autor da letra, mas, cá entre nós, hoje em dia Gabriela seria forte candidata a algumas sessões de psicanálise, porque só pode ser teimosia crônica essa mania de nascer assim, crescer assim, viver assim e, mais grave, ser sempre assim. Por mais que “assim” seja bom, é muito assim pra pouco assado.

Tenho uma amiga que é a última a sair dos encontros da nossa turma. Invariavelmente, a última. No entanto, dias atrás, nos reunimos e não eram nem 21h quando ela pegou sua bolsa e se despediu. Silêncio na sala. Está se sentindo mal? Não. Alguma coisa que dissemos te ofendeu? Não. Vai se encontrar com alguém? Não. Ela apenas sentiu vontade de voltar cedo pra casa em vez de, como de hábito, ficar para apagar a luz. Havia nascido assim, crescido assim, vivido assim, mas não precisava ser sempre assim.

Depois que ela se foi, ficamos especulando sobre o que a teria feito ir embora, sem aceitarmos a explicação trivial que ela deu: vontade. Como vontade? Desde quando alguém faz algo diferente por simples vontade? Muito suspeito.

É por causa dessa desconfiança que tanta gente se algema aos seus preconceitos, aos mesmos gostos que cultiva há 20 anos, às manias executadas no automático e a amores que nem lhes satisfazem mais, tudo para que os outros não questionem sua integridade, já que se estabeleceu que quem muda é frívolo.

Se é isso mesmo, salve os frívolos. Só não muda quem não se relaciona com o mundo, não passou por nenhuma experiência amorosa, por nenhuma frustração. Só não muda quem não consegue racionalizar sobre o que acontece a sua volta, não se interessa pela condição humana, não é curioso a respeito de si mesmo, não se permite ser atingido pela arte e pelo pensamento filosófico, em suma, só não muda quem está morto.

A vida não recompensa os amadores. No máximo, lhes dá uma vida tranquila, e isso nem sempre é uma graça divina. Gabriela era um personagem de ficção, e Caymmi um poeta enaltecendo a pureza humana, que merece mesmo ser enaltecida em prosa e verso. Mas a pureza não precisa se defender o tempo inteiro contra a mudança. Pode-se migrar da pureza para o experimentalismo, sem perdas.

Minha amiga, naquela noite, dormiu cedo como há séculos não fazia, e eu, que costumo cabecear quando termina a novela, fui a última a sair, fiquei para apagar a luz. E ambas continuamos íntegras como sempre fomos.
 
 

Pai é um só - Martha Medeiros


MARTHA MEDEIROS
  • Pai é um só
Verdade seja dita: há muitas como sua mãe, mas ninguém como seu pai
Mãe é tudo igual, só muda de endereço.

Não concordo 100% com essa afirmação, mas é verdade que nós, mães, temos lá nossas semelhanças. Basta reunir uma meia-dúzia num recinto fechado para se comprovar que, quando o assunto é filho, as experiências são praticamente xerox umas das outras.

Por outro lado, quem arriscaria dizer que pai é tudo farinha do mesmo saco? Nunca foram devidamente valorizados, nunca receberam cartilhas de conduta e sempre passaram longe da santificação. Cada pai foi feito à imagem e semelhança de si mesmo.

As meninas, assim que nascem, já são tratadas como pequenas “nossas senhoras” e começam a ser catequizadas: “Mãe, um dia você vai ser uma”. E dá-lhe informação, incentivo e receitas de como se sair bem no papel. Outro dia, vi uma menina de não mais de três anos empurrando um carrinho de bebê com uma boneca dentro. Já era uma minimãe. Os meninos, ao contrário, só pensam nisso quando chega a hora, e aí acontece o que se vê: todo pai é fruto de um delicioso improviso.

Tem pai que é desligado de nascença, coloca o filho no mundo e acha que o destino pode se encarregar do resto. Ou é o oposto: completamente ansioso, assim que o bebê nasce já trata de sumir com as mesas de quinas pontiagudas e de instalar rede em todas as janelas, e vá convencê-lo de que falta um ano para a criança começar a caminhar.

Tem pai que solta dinheiro fácil. E pai que fecha a carteira com cadeado. Tem pai que está sempre em casa, e outros, nunca. Tem pai que vive rodeado de amigos e pai que não sabe o que fazer com suas horas de folga. Tem aqueles que participam de todas as reuniões do colégio e outros que não fazem idéia do nome da professora. Tem pai que é uma geléia, e uns que a gente nunca viu chorar na vida. Pai fechado, pai moleque, pai sumido, pai onipresente. Pai que nos sustenta e pai que é sustentado por nós. Que mora longe, que mora em outra casa, pai que tem outra família, e pai que não desgruda, não sai de perto jamais. Tem pai que sabe como gerenciar uma firma, construir um prédio, consertar o motor de um carro, mas não sabe direito como ser pai, já que não foi treinado, ninguém lhe deu um manual de instruções. Ser pai é o legítimo “faça você mesmo”.

Alguns preferem não arriscar e simplesmente obedecem a suas mulheres, que têm mestrado e doutorado no assunto. Mas os que educam e participam da vida dos filhos a seu modo é que perpetuam o charme desta raça fascinante e autêntica. Verdade seja dita: há muitas como sua mãe, mas ninguém é como seu pai.

Martha Medeiros - Sakineah, uma mulher como nós...


Sakineh, uma mulher como nós
Adoçantes não calóricos. Massagem com compressas de ervas quentes. Máquinas high-tech para eliminar a celulite. Modelador térmico para criar cachos naturais. Esmalte de tratamento para unhas frágeis. Clareador de manchas com ácido bio-hialurônico. Hidratante bloqueador de radicais livres. E sigo folheando uma adorável revista feminina, que nos conduz a um mundo onde tudo é lindo, glamouroso e caro, mas sonhar não custa nada, e viro mais uma página, e outra, enquanto penso: uma moça chamada Sakineh Mohammadi Ashtiani pode morrer apedrejada a qualquer momento por um suposto adultério cometido anos atrás.

Mulheres se candidatam à presidência, dirigem empresas, pedem o divórcio, viajam sozinhas, investem na sua vaidade, mas nenhuma dessas conquistas pode nos orgulhar enquanto ainda houver o costume de enterrar uma criatura no chão com apenas a cabeça de fora para que leve pedradas de diversos homens – e não podem ser pedras GG, tem que ser as de tamanho M, pois exige-se que o suplício seja longo. Que tom de gloss será conveniente para assistir ao badalado evento?

Sei que há diversas outras modalidades de desrespeito aos direitos humanos, inclusive no Brasil, mas neste momento estou vestindo a camiseta da Sakineh. Quero falar sobre o ato primitivo de se apedrejar uma mulher na cabeça até a morte. Não discuto o motivo torpe da condenação, pois nem que ela tivesse matado alguém, em vez de simplesmente ter feito sexo com alguém, seria justificativa. Não há justificativa para a brutalidade. É a lei do Irã, é a religião do Irã, é a tradição do Irã, e daí? Quando meu estômago embrulha, é sinal de que algo bem perto de mim está acontecendo. Distância só existe quando a gente racionaliza, o sentir unifica. O Irã faz parte do mundo em que eu vivo. O meu tempo e o da Sakineh são o mesmo. Somos contemporâneas. Ela não é um personagem, existe. Tem filhos. E se a mobilização internacional não surtir efeito, em breve será enterrada até a altura do busto, com os braços presos para não poder proteger o rosto.

O que dói, mais do que tudo, é reconhecer que avançamos tanto e ainda não conseguimos atingir um grau de humanidade que seja comum a todos, homens e mulheres de qualquer lugar e de qualquer crença. O que podemos fazer por Sakineh? Rezar para que ela seja enforcada, que é o plano B. Ufa, seria um alívio.

Há uma petição circulando pela internet. Acredito tanto na eficiência desses abaixo-assinados como acredito em creme anti-rugas, mas volto a dizer: sonhar não custa nada. http://www.liberdadeparasakineh.com.br/

Eu já assinei. Agora vou passar meu incrível tônico de renovação celular “future solution”, pois, como qualquer mulher, adoro cuidar da minha pele.
Martha Medeiros...

terça-feira, 20 de julho de 2010

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Há momentos em que me sinto meio infantilóide de tanta alegria de viver, de tanta confiança de que o caminho será sempre longo e surpreendente, me emociono facilmente com minha inocência e deslumbramento, mas tem horas que é impossível sustentar a farsa: tô ficando velha mesmo...

A vida em slow - Martha Medeiros

MARTHA MEDEIROS
  • A vida em slow
Nem a encrenqueira Jabulani, nem o performático Maradona, nem a justa vibração espanhola. O que mais atraiu minha atenção na Copa que passou (e não se fala mais nisso, prometo) foram as cenas em slow motion. Aliás, very slow, passando a sensação de que a vida pode ser delicada em qualquer circunstância. Até mesmo o atrito violento entre os corpos ganhava suavidade e nada parecia doer. Nada. Não há quem não se deslumbre com imagens repousantes nesse mundo que, quando em rotação normal, é frenético demais.

Sempre fui fascinada por cenas em câmera lenta, principalmente quando utilizada para buscar poesia onde nem pressupomos que ela exista. Em cenas de guerra, por exemplo. Lembro de um filme que mostrava em slow os soldados sendo atingidos por granadas, voando junto com os estilhaços ao som de rock pesado. Brutalidade embrulhada em papel de seda. Clichê ou não, funciona.

Tanto funciona que ficamos naturalmente fascinados pelas poucas coisas da vida que são slow ao natural, a olho nu. Você já reparou?

Ondas, por exemplo, jamais são apressadas. Elas se formam com vagar, como se soubessem que participam de um espetáculo, e depois quebram demoradamente, fechando-se em si mesmas, femininas, recatadas, soltando sua espuma e suas gotas em uma coreografia ensaiada que sempre extasia. Na beira da praia ou em alto mar, em dia de calmaria e mesmo em dia de fúria, as águas nunca são aceleradas, elas sabem que são donas de um raro efeito especial.

A mesma coisa com transporte aéreo. A cidade pode estar em velocidade máxima, os carros zunindo pela avenida, pessoas correndo de um lado para o outro nas ruas, e então surge aquela espaçonave branca atravessando o céu, decolando ou aterrissando, num ritmo tão lento que custamos a acreditar que consiga se manter no ar sem despencar. Não despencam. Nem disparam. Mantém-se em slow. Planam, como pássaros que também são.

As girafas não impressionam apenas pelo tamanho incomum do pescoço, mas porque caminham num molejo baiano, não acompanham o frenesi da selva, não possuem pressa para nada, são majestosamente demoradas, assim como os polvos, que ganharam surpreendente notoriedade esse ano.

Não ter urgência, meditar como um buda, praticar thai chi chuan. Me corrija se eu estiver errada: a paciência é o sentimento mais slow motion que existe.

O fogo da lareira, a chama da vela, a fumaça do cigarro, a tragada: a vida queima em marcha lenta.

Os domingos caudalosos. O beijo apaixonado, deliciosamente arrastado... assim como as reticências...

E fim de brandura. O resto é vida veloz.
 
 

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Martha Medeiros - O viagra Feminino

MARTHA MEDEIROS
  • O viagra feminino
A disfunção sexual masculina é, geralmente, física, enquanto que a da mulher é cerebral e emocional

Ainda não será desta vez que a pílula cor-de-rosa, contraponto ao comprimido azul que revolucionou a vida sexual de homens com disfunção erétil, será comercializada. O nosso viagra feminino, produzido a partir da droga flibanserin, prometia facilidade de lubrificação e maior interesse sexual da mulher, mas apresentou efeitos colaterais indesejáveis, como depressão, tontura e desmaios, e não foi aprovada pelo FDA, órgão americano que aprova e fiscaliza remédios e alimentos.

Analisando superficialmente, talvez isso confirme a velha máxima de que os homens são simples e as mulheres complicadas, ao menos quando se trata de sexualidade. E a razão é óbvia: a disfunção sexual masculina é, geralmente, física, enquanto que a da mulher é cerebral e emocional. Sem relaxamento, sem auto-estima, sem romantismo e com a cabeça pilhada de preocupações, como ficar predisposta ao prazer?

Dizem que antes do movimento feminista, a qualidade das relações era insatisfatória por causa da repressão machista. Será? Nunca esqueço de uma tia minha que, do alto dos seus quase 80 anos, uma vez disse que essa história de mulher não ter orgasmo era coisa da modernidade, no tempo dela todo mundo tinha orgasmo e ninguém perdia tempo com essa conversa. Faz sentido. O fato de hoje sermos donas do próprio nariz e demais partes do corpo ainda não nos tornou maduras o suficiente para relativizar essa cobrança de agir feito uma bombshell, a mulher explosiva e infalível. Recebemos tantas referências de símbolos sexuais e escutamos tantos depoimentos pretensamente verídicos a respeito de noitadas das arábias que acabamos por nos sentir sempre abaixo da expectativa. Mulher brocha também. Brocha mais pelo excesso de informação do que pela falta dela. É um avanço sermos livres e independentes, mas ainda precisamos aprender a obedecer apenas ao próprio desejo, e não ao desejo globalizado que invadiu o quarto de todas nós.

Não estou querendo dizer com isso que a disfunção sexual feminina seja um mito. É uma realidade para inúmeras mulheres, e para tratá-la existem desde géis vasodilatadores até excelentes psicoterapeutas, e a pílula cor-de-rosa um dia há de ajudar também. Mas creio que, para se manter ativa e feliz, o ideal ainda é se sentir amada e desejada por um homem com quem se tenha afinidade física e, principalmente, deixar de se pautar pelas pesquisas que decretam quantas vezes e de que forma os casais “normais” transam. O que está nos deprimindo, cansando e inibindo é essa idolatria do orgasmo, esse campeonato aberto de quem exibe o maior potencial erótico. É muita tensão pra pouco tesão.
 

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Culpa Zero... Martha Medeiros


Culpa Zero... Martha Medeiros
'Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic. Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros. Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante'.
Autora: Martha Medeiros