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terça-feira, 13 de setembro de 2011



"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

Clarice Lispector

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Clarice Lispector...



"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos"

Clarice Lispector

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Menina Ruiva e o Cão Ruivo - Clarice Lispector



Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor – a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.



Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente da sua dona, arrastando o seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmados. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.



Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos – lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes do Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.



Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
Fonte:
LISPECTOR, Clarice. “Felicidade Clandestina” – Ed. Rocco – Rio de Janeiro, 1998

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CLARICEANDO... Clarice em 15 ATOS...


1- Palavras até me conquistam temporariamente, mas atitudes me ganham ou me perdem para sempre.

2- Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir.

3- Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo.

4- Cuide-se como se você fosse de ouro, ponha-se você mesmo de vez em quando numa redoma e poupe-se.

5- Depois que descobri em mim mesma como é que se pensa, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros.

6- Um dia hás de ver que, as únicas coisas leves, foram as únicas que o vento não consegui levar.
7- Faz de conta que não precisava morrer de saudade.

8- Quando você diz “Eu te amo”, você esta fazendo uma promessa com o coração de alguém. Tente honrá-lo.

9- Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido alguma coisa não se sabe onde e quando.

10- O fracasso me serve de base para eu existir. Se eu fosse um vencedor? morreria de tédio.

11- Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

12- Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida no estômago.

13- Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos.

14- O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio.

15- Quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria.

Por não estarem mais distraídos (Clarice Lispector)

Por não estarem mais distraídos (Clarice Lispector)

Havia a levíssima embriagues de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que. por admiração. estava com a boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter essa sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriagues que era a alegria da sede deles.
Por causa dos carros e pessoas, às vezes, eles se tocavam e, ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não.
Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. E então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas.
Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela, que estava ali no entanto. No entanto, ele que estava ali… tudo errou, e havia a grande poeira das ruas. E quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.
Tudo só por que tinham prestado atenção, só por que não estavam bastante distraídos.
Só por que, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo por que quiseram dar um nome; por que quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos…

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Clarice Lispector



Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar.

Clarice Lispector...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A LUCIDEZ PERIGOSA - CLARICE LISPECTOR


A lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Clarice Lispector

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pensamentos Soltos... ;)

O insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar de novo com mais inteligência.

Henry Ford

A nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, mas sim em levantarmo-nos sempre depois de cada queda.

Confúcio

Jamais haverá ano novo, se continuar a copiar os erros dos anos velhos.

Luís de Camões

O verdadeiro amor é aquele que permanece sempre, se a ele damos tudo ou se lhe recusamos tudo.

Johann Goethe

Lembra-te sempre: Cada dia nasce de novo amanhecer"

Chico Xavier

O amor é sempre novo. Não importa que amemos uma, duas, dez vezes na vida, sempre estamos diante de uma situação que não conhecemos.
(Na Margem do Rio Piedra Eu sentei e Chorei)

Paulo Coelho

Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.

Chico Xavier

Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre.

Charles Chaplin

Quem nunca errou nunca experimentou nada novo.

Albert Einstein

Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos, um filme mais ou menos ,um livro mais ou menos.
Tudo perda de tempo.
Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoraçao ou seu desprezo.
O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.

(trecho de O Divã)

Martha Medeiros

Sonhe como se fosse viver para sempre, viva como se fosse morrer amanhã.

James Dean

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.

Fernando Sabino

Sempre que possível, seja claro. Mas que sua clareza não seja o motivo para ferir o outros.

Paulo Coelho

O sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz.

Aristóteles

O amigo é a resposta aos teus desejos. Mas não o procures para matar o tempo! Procura-o sempre para as horas vivas. Porque ele deve preencher a tua necessidade, mas não o teu vazio.

Khalil Gibran

Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão de que estou errado.

Oscar Wilde

Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas...

Mário Quintana

As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.

Millôr Fernandes

Quem comete uma injustiça é sempre mais infeliz que o injustiçado.

Platão

Algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer.

Mark Twain

O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia.

Honoré de Balzac

Amor não se conjuga no passado; ou se ama para sempre, ou nunca se amou verdadeiramente.

M. Paglia

Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então, as sombras ficarão para trás.

sabedoria oriental

É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado.

Madre Teresa de Calcutá

O importante não é vencer todos os dias, mas lutar sempre.

Waldemar Valle Martins

Quase sempre a maior ou menor felicidade depende do grau de decisão de ser feliz.

Abraham Lincoln

Se você agir sempre com dignidade, talvez não consiga mudar o mundo, mas será um canalha a menos.

John F. Kennedy

Creio que quase sempre é preciso um golpe de loucura para se construir um destino.

Marguerite Yourcenar

A mulher é uma substância tal, que, por mais que a estudes, sempre encontrarás nela alguma coisa totalmente nova.

Léon Tolstoi

Há sempre algo de ridículo nas emoções da pessoa que se deixou de amar.

Oscar Wilde

Um homem tem sempre medo de uma mulher que o ame muito.

Bertolt Brecht

Deve-se aprender sempre, até mesmo com um inimigo.

Isaac Newton

A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração.

Madre Teresa de Calcutá

Preferi sempre a loucura das paixões à sabedoria da indiferença.

Anatole France

Às vezes me dá enjôo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só.

Clarice Lispector

Sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim.

Clarice Lispector

"Prefiro morrer de pé que viver sempre ajoelhado."

Che Guevara

Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba.

(Por Enquanto)

Renato Russo

(...) O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector

Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar

Chico Buarque

terça-feira, 9 de março de 2010

Clarice Lispector

Ontem fui de Martha e hoje resolvi postar este texto da Clarice, com o qual me identifico muito, em especial pela ultima frase... (risos)

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Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!

Clarice Lispector

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Rifa-se um coração - Clarice lispector

Rifa-se um coração
Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade está um
pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia
estava certo quando escreveu...
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero,
é isso que eu espero...".
Um idealista...Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva a
esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste em cometer
sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome
de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos que quase dá
pra engolir as orelhas, mas que
também arranca lágrimas
e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado indicado apenas para
quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e,
se recusa a envelhecer"
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda
não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância de se aventurar como poeta

Clarice Lispector