segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Egotrip: um breve ensaio sobre o fracasso - Gabito Nunes

Quanto mais leio os textos do Gabito, mais me apaixono por ele, não só pela barba que me chama atenção ou pelo cabelo bagunçado, que tem seu charme e eu adoro, mas por tudo que ele escreve, por esse jeito descontraído, sem filtro e sem pudor de escrever que fica explicito em seus textos, descobri ele por acaso, nem lembro como e me apaixono dia-a-dia mais por ele, a riqueza de detalhes transforma seus textos em cenas de filmes, aqueles filmes ótimos que te prendem, a irreverência sensual de sua escrita, instiga meus instintos mais sacanas, um quê de liberdade, de falta de pudor, de vontade de deixar tudo de lado e fazer o coração vibrar, se entregar às "chamadas loucuras" que a vida nos proporciona a cada dia, amar sem pensar, escrever por puro prazer, viver sem depender, nem de dinheiro, nem de tudo que a sociedade nos ensinou a considerar fundamental.

E sobre este texto a conclusão que chego é apenas uma: "To morrendo de vontade de ser uma "fracassada" feliz...

Porém ter a certeza de que acreditei em cada sonho, do mais simples ao mais louco, mas que eram sonhos meus, delírios meus, suspiros meus, não o que esperavam de mim, não o que imaginavam que eu deveria ser ou fazer, que apesar de tudo perdi o fôlego todas as vezes que tive vontade, e desencanei das que não tive também, que amei do meu jeito louco e torto, intenso, ardente, me assumi a mulher que sou, que sente desejo, que sabe se virar, mas que também adora um filminho a dois, uma xícara de café e um cafuné logo cedo no domingo, que pode se mostrar frágil sem parecer fraca, que pode se enganar, pode fantasiar, pode se perder e se encontrar tantas vezes quantas forem necessárias, sem perder o brilho ou deixar de lado o sorriso e a fé que tudo vai ser diferente...

Enfim ler os textos e histórias do Gabito me absolve de muitos de meus pecados... (risos)


Gabito Nunes

Escritor, Porto Alegre, 1982. Autor de Não Sou Mulher de Rosas, A Manhã Seguinte Sempre Chega e O Tudo Que Sobrou.

Leitor de John Fante, Jack Kerouac, Nick Hornby, Woody Allen, Milan Kundera, Bukowski. Ouvinte de Beatles, Cazuza, Los Hermanos, Radiohead, etc.

Deliciem-se como eu me deliciei...

Egotrip: um breve ensaio sobre o fracasso

Eu sabia desde os doze anos, eu queria escrever. Escolha óbvia e patética: cursar jornalismo. Naquela minha idade, vinte, vinte e um, o tempo era rico e precioso. Após passar alguns anos contando mentiras ou histórias que não eram bem assim, vi que tinha feito umas 300 matérias sobre nenhuma criatura humana. Cachorros não falam e as pessoas todas têm assessores de imprensa. Eu não tinha paciência pra ser manipulado, eu queria exercer minha criatividade a exaustão. Eu era uma puta vendendo meu intelecto e dando minha cota para que figurões políticos, estilistas, apresentadores de tevê, escritores de autoajuda enchessem seus rabos de grana. Era o jogo. Já tradicional e com suas regras bem definidas. Os incomodados que se retirem.

Uma coisa eu descobri. Eu não preciso de grana tanto assim. O dinheiro não vale seu preço. Uma nota de 50 não reflete sua equivalência real quando pede em troca mil reais em alma e dignidade. Mas eu sou burro e enveredei para a publicidade, lá onde seria feliz. Montei uma agência com uns caras. Passei um ano sem um centavo, dependi de mulher, parei de beber porque não tinha grana, me ferrei. Conquistei um grande cliente, numa jogada de sorte e um pouco de maestria. Ganhei rios. Fui a bons restaurantes. Comprei coisas. Tralhas tecnológicas. Ganhei meus quilos de volta. Contei histórias lindas e criativas. E hipócritas. Aprendi que, supostamente, tralhas materiais fazem você. Você é seu carro. Você é seu tênis. Você é sua bolsa. Você é seu cabelo. Você é um miserável. Você é a marca na sua camiseta. Um outdoor ambulante. Você não é um filho-da-puta, você é a própria puta. Luciano Huck não seria esse bemfeitor sem algum aporte. Até pra construir um caráter exemplar você precisa de patrocinador.

A prostituição continuava. As histórias comerciais foram perdendo a graça e o sentido. A grana pipocava. Eu sentia a chantagem me sugando mas, ironicamente, eu estava cada dia mais imenso. Eu comia pizza demais, virando noites de lua planejando merdas que eu sabia que não dariam certo. Você pode escolher a profissão que quiser e exercê-la da melhor maneira possível, se sentir que está fazendo algo com o mínimo de honestidade. Eu era só uma puta, perdendo tudo por dinheiro. As pessoas começaram a me chamar para realizar palestras, de terno e gravata. Parece que eu era especialista em alguma porra. O Sonho Brasileiro, não? Eu aparecia gordo no jornal, abraçado em sentinelas da economia local. Hipocrisia, eu quero uma pra viver?

Perdi alguém que eu amava. Por birra. Perdi alguém que eu amava. Por morte. Não consegui chorar. Vendi tudo, minha parte na agência, a mesma agência que eu decidi o nome, a marca, o foco. Vendi meu ponto, na verdade. Me separei da publicidade. Com um sopro tirei o pó de uma pasta preta cheia de escritos meus. Tinha um poema sobre um cometa rabiscado à mão no verso de um folheto de supermercado, de 1999. Estamos em 2008. Li "On The Road" em três dias e chorei, enfim. Eu estava vivo, eu sabia. Saí correndo atrás de nada. Durante um ano, eu só corria e escrevia. Dia e noite. Devolvi 20 kg que não eram meus. Deixei a barba crescer pra sempre, não haviam mais reuniões no Hotel Deville pela manhã. Comecei a contar histórias reais, finalmente. As minhas histórias. Ganhei o apelido de Forrest Gump e adorei. Continuava correndo. E escrevendo. Com 754 reais na conta a gotas.

Bebia de terça a domingo. Voltei a fumar. Voltei a cantar. Algumas noites eu subia num palco pra cantar Lobão, Roberto Carlos ou Cazuza. Eu adorava aquilo. Se eu era capaz de fazer aquilo na frente de toda aquela gente, eu podia qualquer coisa. Mas eu não queria mais qualquer coisa, eu não queria o mundo, eu não queria nada que me jogasse pra longe de mim. Eu me procurei, fui atrás de mim, fugi comigo. Fiz todas as bobagens que você pode imaginar, dormi na rua e em camas sujas, e saí ileso. Porque eu tenho sorte e, no fundo, sou um cara legal, embora eu odeie isso, às vezes. As tentações seguiam à espreita. Jornalistas me ligavam pra saber o que era o amor. A editora prometendo um mar monetário se classificarmos o livro como autoajuda. Programas de tevê e rádio. Lançamentos virtuosos e elitistas em megastores. Minha mãe me liga pra dizer que saiu uma página inteira sobre mim no jornal e eu não tenho dinheiro pra comprar. Novas palestras? Acho melhor pararmos por aqui. Esse filme eu já vi. O mundo é um lugar cheio de pessoas que te amam só enquanto têm chance de comer o seu cu.

Um novo fracasso. Passei a acreditar no Zeitgeist e estudar budismo, por influência de "Os Vagabundos Iluminados" de Kerouac. Optei pela alienação. Desliguei a televisão, exceto nos horários em que exibem Seinfeld. Não sei quem é William Bonner, Lady GaGa, Rafinha Bastos, Jonathan Franzen. O show já terminou. Nunca mais abri uma página policial ou econômica. Esvaziei minha mente, plantei meus temperos, fiz as pazes com minha família, superei traumas enrugados, comecei a tomar café da manhã, parei de beber, encontrei um novo amor que eu pudesse buscar no aeroporto, parei de fumar, escrevo aquilo que eu quero, parei de comprar - você não precisa de um GPS se não tem aonde ir, você não precisa de um iPhone se não quer falar com ninguém.

Nessa multidão de "vencedores", I'm a loser, baby. É melhor perder sendo você do que ultrapassar a linha de chegada e ver que, na verdade, ficou pelo caminho. Dá muito trabalho me buscar. Tenho quase 30 e não sei o quero da vida, mas ao menos desisti de todos os sonhos que idealizei antes mesmo de aprender a sonhar. Saber aceitar que você perdeu tem gosto estranho de vitória. Importe-se com o que as pessoas pensam, e sem se dar conta, você estará vivendo uma vida que não é sua, perdendo seu tempo pedindo perdão por não se encaixar, por decepcionar uma ilusão que você ingenuamente ajudou a construir. O mundo não te aceita como você é. Mas você também não o respeita. Então cada um para o seu lado. É assim que deve ser.

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