sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O tempo todo - Gabito Nunes


Nunca esqueço aquela primavera. Eu no rumo da sua casa, as janelas fechadas do Menino Deus, o jingle do Jornal Nacional de relance, pisando em nuvens, dois sonhos debaixo do braço, embrulhados num papel pardo de padaria de bairro, sabor creme, pensando se você ficaria desapontada se eu disser que gastei os últimos trocados num maço, combinamos honestidade. Conseguia ver seus braços cruzados, a cara feia de fome de sonho de creme, o beiço, batendo a sandália no chão. Eu lembro do manto colorindo as calçadas com Ipê e Jacarandás. As flores que se jogaram no solo pra chegar aos seus pés. O vento gelado me prensando contra as grades de ferro depois rasar baixo no verde do Parque Marinha do Brasil. Eu contando as casas, contando as horas, contando as quadras, contando os casais e as coisas pra te contar, com grandes esperanças. Quantas vezes você sentiu-se assim em toda sua vida? As minhas sobrancelhas que empinavam alegres feito pipa reconhecendo aquela sua esquina depois do Itaú. Nós naquela praça, já as três, bebendo conhaque de garrafa, correndo atrás do sono, gritando Legião Urbana, no balanço, escorregando, ou dando voltas na quadra, sem direção ou prudência, após deixar marcas de sexo molhado no seu edredom, fazendo um mundo melhor, economizando água com demorados banhos juntos. Limpos e prontos. A gente se apaixonou. Feliz Natal. Na minha cabeça, a previsão é de tempo bom. Sabe esse tossido irônico e pigarrento que você ouve enquanto planeja alguma coisa pra sua vida? É deus. Tudo que começa vai até o fim. Um mês passou. Dois, três, duzentos, mil. E quando eu mais precisei do chão, ele estava todo cinza. Dejetos de cão, chicletes sem sabor, poças de água suja, os tijolos de concreto despedaçados, as folhas secas estagnadas sem chamar atenção dos ventos. Na contramão da primavera, a calçada sem meio-fio, curta e estreita e esburacada, todos contra mim caminhando taciturnos, sem me checar nos olhos, os queixos vencidos pela gravidade. Imagine um dia ruim na sua vida. E você escolhe hoje e não consegue lembrar outro. É hoje, é hoje. Só por hoje. Beijos desmotivados, garotas homofonas espalhadas por toda porra de cidade (Bibiana, Mariana, Sebastiana, Fabiana, no fim tudo termina em Ana, esse sufixo lindo e desgraçado), cinemas intermináveis, os carros verdes iguais o seu multiplicados pelas merdas de avenidas, eu dedilhando "Fake Plastic Trees" sem ninguém pra ensinar como posicionar os dedinhos no lá menor, camas apartadas, o dente que dói, jantares de bosta, gente perguntando por você, prazeres tristes, preciso de um cigarro. Procuro um lugar distante, aonde minha saudade, meu tesão, meus choros ridículos não queiram me acompanhar. Debaixo da ponte, no ombro dos bêbados. Estão me olhando por quê? Vão se foder todo mundo. O desfile de cores passou, o tapete de pétalas se varreu, o perfume cessou, o pólen parou de beliscar meu nariz. E esse outono que recém iniciou e não acaba? Sem grandes esperanças. A gente não foi um sentimento, só uma estação.

If I could be who you wanted all the time. All the time.
(Se eu pudesse ser o que você quer o tempo todo. O tempo todo

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